Pigarro
Pigarreou. Foi sutil, mas pigarreava em tons tão graves que aqueles que estivessem à sua volta cessavam qualquer coisa que estivessem fazendo, embora não conscientemente, e o olhavam, esperavam. Não era como se estivessem sido chamados para alguma coisa urgente, mas aquele jeito tão singular de pigarrear simplesmente os enfeitiçava. Era sempre assim, e todos estáticos ficavam até que percebiam - menos de um segundo depois - que sim, ele pigarreara. E quando pigarreava era porque estava prestes a discursar, com sua indescritível envergadura momentânea, sua abrangência sonora, sua vermelhidão extasiante. Era clara a sua voz, eram diretas as suas frases, seguidas sempre de bruscas perguntas feitas por ele mesmo e respondidas prontamente por ele mesmo. Antecipava-se. Não deixava que ninguém o interrompesse, como assim, chutar o seu banquinho praça-sético. Modulava o volume de sua arenga quando tentavam fazê-lo. Tampouco interessava se o assunto deixara uma brecha para essa deliberação individualística, essa performance. Não importava, e não mais do que uma vez na noite a fazia. Mas desta vez o pigarrear tinha sido seguido de uma sirene, ali do outro lado da rua, e os olhos daqueles que estavam ao seu redor tinham sido mais rápidos ainda na fuga. Desequilibrado por esse súbito hiato, desesperou-se. Animados estavam os olhos dos que acompanhavam os seus. Riam-se as pupilas quando perceberam a sua instabilidade, e seu erre-ê-eme descontrolado, como um paraquedista que em pleno salto descobre-se sem pára-quedas. Em seu desespero criou o único ardil que conseguiu, e quando foi pigarrear, arrotou.
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