"Every song I ever wrote was written for you"
O menino maltrapilho estava sentado na beirada da varanda. A casa, em ruínas, se encontrava atrás dele, como se esperasse uma ventania que a desintegrasse e levasse o pó, e todas as lembranças ruins. Seus olhos estavam sempre úmidos. Úmidos demais. Olhava para o céu, aquele céu cinzento e esmagador, que parecia fazer parte da cidade, como um teto de chumbo. A sua cidade.
Tinha uns dez anos, no máximo, este menino desgarrado, solitário e abandonado. Tinham-no deixado para atrás, abandonando aquela cidade furiosa, despedaçada e sedenta, para ir atrás de tempos melhores. A cidade havia consumido a todos, que desesperados fugiram, apenas carcaças de homens, e já se encontravam longe dali, se é que se encontravam em algum lugar.
Do mesmo jeito que fazia todos os dias, o menino se levantou, e sentindo o peso da solidão em seus ombros, começou a se arrastar em direção ao centro da cidade. Ele nem se lembrava mais onde era o centro, mas sempre chegava lá, todos os dias. A cidade o guiava. Ouvia, enquanto seguia com os pés descalços, o rangido da cidade se mexendo. Os prédios cresciam, engoliam ruas, formando novos arranha-céus, cada vez mais altos e imponentes, cada vez mais curvados. A cidade parecia querer se fechar em si mesma. Mas o menino não se assustava. Não mais.
Há muito a cidade ladrava deste jeito, e mesmo assim o acolhia, sempre que ele vinha. E ele vinha todos os dias, e a encontrava de um jeito diferente.
Desta vez havia, no centro da cidade, o que poderia ter sido um parque. Mas no lugar de flores e plantas havia um quintal de metal. Ele chorou um pouco, enquanto seus dedos escorriam por uma folha negra. A cidade tentava. Os pedaços de metal se retorciam e se transformavam em bizarras formas de orquídeas. O chão de concreto tentava inutilmente desenhar peixes simétricos, em tons de cinza. O coreto recém emergido do chão era rodeado de tochas, que bruxuleavam ao vento, criando sombras assustadoras.
E ali, sozinho, no centro de um circo de horrores deserto, o menino mantinha-se sentado, observando, tocando tudo o que podia, absorvendo tudo o que pensava entender. Olhava em todas as direções, com seus olhos úmidos, apreciava tudo que se movia, sentia todo o peso do silêncio, e às vezes ouvia a cidade. Mas nunca conseguiu decifrar o que ela dizia.
Ele acreditava que a cidade ainda o amava.