Tuesday, June 28, 2005

fim.

quando eu era apenas um projeto de gente, muitos anos atrás, não queria ser um super-herói. eu não queria conseguir voar, ficar invisível, me tranformar em outras coisas, ler pensamentos, atirar raios dos olhos ou ter força sobre-humana. eu queria crescer e ser responsável, criar uma família concisa, ter alguns filhos, ser chefe de um monte de gente, mandar nesse tanto de gente, ser alguém no mundo, ter poder, ser reconhecido e admirado. eu nunca criei nenhum problema, para ninguém, era um ótimo filho, irmão carinhoso, neto presente e aluno responsável. eu não voltava pra casa sujo de lama, não me machucava, não emburrava. quando tinha doze anos, meu pai resolveu me levar ao circo. eu não queria ir, mas obviamente não reclamei nem discordei, e fui. foi um espetáculo doloroso. a bagunça de tudo me dava calafrios. os animais, sujos e visivelmente infelizes, os trapezistas apáticos, a imundície do picadeiro. mas os palhaços eram o que mais me incomodava. não era engraçado se fingir de palhaço. se você se finge de palhaço, você é um palhaço. as cores, a fantasia, tudo era pra mim um retrato grosseiro do inferno mais palpável que eu conhecia: a desorganização. e foi então que eu rejeitei minha condição pueril e rechacei minha inocência. me tornei um adulto, e previ tudo o que eu faria, tudo que minha vida seria, passo a passo.

eu cresci, e alcancei tudo que almejava. construí um império particular, hermético, impenetrável. trancado dentro dele, eu fabriquei minhas vestes reais, minha coroa, e um trono. alheio a todos, ou com medo de todos, cumpri com o planejado. tudo correu exatamente como eu esperava. todos os prazos foram cumpridos, não havia segunda opção, nem válvulas de escape. sabia que tudo daria certo, tudo seria exatamente como eu tinha detalhadamente delineado. e também sabia que porta abrir quando as crises, que foram também previstas e estudas, aconteceram. nunca houve meio-termo, nunca um imprevisto aconteceu. tudo perfeito.

ou pelo menos era o que eu pensava. foi no ápice de tudo, no exato momento de meu triunfo, que tudo acabou. quando as paredes desmoronaram, como se fosse tudo um gigante castelo de areia, olhei ao meu redor, estupefato, e vi que estava sozinho. abri os braços e olhei para cima. e pela primeira vez vi o céu de chumbo que pesava sobre mim. e o peso era insuportável.

chorando e vendo as cinzas da minha vida se transformarem em lama, percebi que meu único mérito tinha sido conseguir aguentar por tanto tempo aquela ilusão.

...

velho e desgastado, olho pra trás e vejo que não sonhava, nunca sonhei. o que eu fazia era planejar, meticulosamente, a minha solidão futura. minha vida é um vazio criado por mim mesmo, querendo camuflar o fato de que eu poderia não dar certo. e não dei certo, e nem tenho mais tempo de dar certo, porque fui certinho demais. não me arrisquei em nada, e dexei passar tudo pelo simples medo de falhar. e acabei falhando na vida.

imbecil e ingênuo que era, achava que a felicidade consistia em ter tudo, cada coisinha ordenada em seu lugar, etiquetada, impecável. estava completamente errado, e já era tarde demais. como ser feliz se não há nada a almejar? borges escreveu que ser imortal é irrelevante, pois é simplesmente ignorar a morte. todos os animais 'irracionais' são imortais. saber-se imortal é que são elas. esse é o retrato errôneo da felicidade: ter tudo. quando se tem tudo, nada importa. não há ambição, não existe movimento. a vida se esvai.

não culpo ninguém por isso. não acredito em destino, nem em reincarnação. é só isso que existe para mim, a constatação do meu fracasso. por conseguinte, é isso que existe, pois o mundo só existe a partir de mim. a ironia é que o mundo que só existe para mim não pode ser moldado por um idoso desdentado, solitário e infeliz. crianças são as únicas com poder o bastante para moldar seus mundos. mas claro que elas não sabem disso, e tentam planejar, ao invés de sonhar.

fui engolido pelo buraco que eu mesmo cavei. agora é hora de morrer. e por favor, não quero rever minha vida nos meus momentos finais. que eu simplesmente desapareça, sem deixar vestígios. adeus.

Monday, June 20, 2005

land of liars (1999)

a coward wears a crown of shit today
a walking lie leads to the clouded way
this shadowy way

whatever happened to the life we knew?
a sudden taste of dirt in our meals
these piggy meals

this gloomy hill
this bloody view

Monday, June 13, 2005

o tempo mata tudo

eu a vi novamente. mas não foi um sonho. ela não pôde sentir o calor do meu abraço, o cheiro no meu pescoço, a textura da minha pele, a suavidade do toque das minhas mãos, a tranquilidade de se sentir em casa. não, a música manteve seu acorde menor infinito, e eu mantive distância. nada do que foi feito, ou nada inventado, imaginado, vai voltar atrás. nada do que era sentido, que fazia sentido, existe mais. é preciso aprender a olhar para frente, parar de traduzir, ter coragem, e se concentrar em enfrentar os minutos angustiantes que a vida inflige. esquecer. virar pó, água, lama. escorrer. achar um novo molde. inventar uma moldura. e viver.

Tuesday, June 07, 2005

Gilberto - parte 2

Gilberto Leme não foi uma pessoa de muitos amigos, e os poucos que acompanharam sua triste história nada se abalaram com sua morte repentina, como se esperassem seu fim trágico, já que ele era tão melancólico, tão solitário e tão insignificante. Foi um aluno medíocre do jardim de infância à colação de grau na faculdade. A única coisa que o fazia passar de ano ou de período eram os incontáveis "post it" que pregava pelas paredes de seu quarto, repletos de fórmulas matemáticas, datas, verbos, estátisticas e desenhos que ele não necessariamente lia, mas seu cérebro fazia questão de memorizar. Assim são várias coisas nesta vida medíocre: não é preciso que elas façam coisa alguma, basta que elas estejam lá. Foram seis os vestibulares que prestou, e quando estava quase desistindo (com um idéa-fixa, ou sonho idiota, de ser pedreiro-boxeador), conseguiu entrar numa universidade pública. Odiou o curso desde o primeiro período, mas não o largou por preguiça ou por simplesmente saber que odiaria qualquer outra faculdade. Formado, ficou deprimido mas não deixou que ninguém percebesse. Como se fosse fazer alguma diferença.

Wednesday, June 01, 2005

Árvore

Queria ser apenas o personagem de um quadro.

Dentro do meu peito existe uma árvore. Seus galhos são retorcidos e erráticos, o tronco firme, embora diversas feridas feitas por machados possam ser vistas. As cores das folhas não obedecem às estações do ano, mas às variações aurais da minha alma. Elas vibram em mantras simétricos, que descrevem meu invariavelmente precário estado de espírito. Eu achava, até pouco tempo atrás, que a árvore que vive dentro de mim não fosse mais crescer, tantos são os golpes que tem sofrido. Eu a imaginei tombada, se desintegrando, se misturando com a terra escura e se esvaindo em absoluto silêncio, como o punhal que deixa um corpo já inerte. Ledo engano. A estrutura era mais forte do que eu pensava. Me desculpe por duvidar. O âmago continua intacto, e o que dói é que o crescimento está centrado, agora, apenas nas raízes. Penetrando minha carne elas crescem, se multiplicam em pequenas ramificações, longas e perfurantes. É a dor avisando que estou vivo.

...

see how i cope
while you sink so low
to make me feel worse
than you.

and whenever we dispute
i tend to choose
the weaker argument
so i lose.

all i can grasp
is that you're a walking contradiction
maybe one day you'll get over this fiction
and step into the light.

you'll see me there,
a silhouette by my side
and wonder at what we stare.

and i'd gladly introduce you
to my new best mate.
but imaginary friends
can't shake hands.