Saturday, April 30, 2005

...

life is not all that, you know
but don't let go.
take a deep breath and count to sixty:
it's about time you left this city.

the milk's spilt all over the place,
don't drown in it.
try to inject some sense into this wrinkled face.

i can't complain too much.
it's not like i'm looking for an answer.
and as far as i'm concerned,
i still don't have cancer.

so put it out,
drink it up,
damn the place:
go ahead and sprout.

you've taken too long.
and what the hell,
are you still waiting for the end of this song?

Saturday, April 16, 2005

A Cidade

"Every song I ever wrote was written for you"

O menino maltrapilho estava sentado na beirada da varanda. A casa, em ruínas, se encontrava atrás dele, como se esperasse uma ventania que a desintegrasse e levasse o pó, e todas as lembranças ruins. Seus olhos estavam sempre úmidos. Úmidos demais. Olhava para o céu, aquele céu cinzento e esmagador, que parecia fazer parte da cidade, como um teto de chumbo. A sua cidade.

Tinha uns dez anos, no máximo, este menino desgarrado, solitário e abandonado. Tinham-no deixado para atrás, abandonando aquela cidade furiosa, despedaçada e sedenta, para ir atrás de tempos melhores. A cidade havia consumido a todos, que desesperados fugiram, apenas carcaças de homens, e já se encontravam longe dali, se é que se encontravam em algum lugar.

Do mesmo jeito que fazia todos os dias, o menino se levantou, e sentindo o peso da solidão em seus ombros, começou a se arrastar em direção ao centro da cidade. Ele nem se lembrava mais onde era o centro, mas sempre chegava lá, todos os dias. A cidade o guiava. Ouvia, enquanto seguia com os pés descalços, o rangido da cidade se mexendo. Os prédios cresciam, engoliam ruas, formando novos arranha-céus, cada vez mais altos e imponentes, cada vez mais curvados. A cidade parecia querer se fechar em si mesma. Mas o menino não se assustava. Não mais.

Há muito a cidade ladrava deste jeito, e mesmo assim o acolhia, sempre que ele vinha. E ele vinha todos os dias, e a encontrava de um jeito diferente.

Desta vez havia, no centro da cidade, o que poderia ter sido um parque. Mas no lugar de flores e plantas havia um quintal de metal. Ele chorou um pouco, enquanto seus dedos escorriam por uma folha negra. A cidade tentava. Os pedaços de metal se retorciam e se transformavam em bizarras formas de orquídeas. O chão de concreto tentava inutilmente desenhar peixes simétricos, em tons de cinza. O coreto recém emergido do chão era rodeado de tochas, que bruxuleavam ao vento, criando sombras assustadoras.

E ali, sozinho, no centro de um circo de horrores deserto, o menino mantinha-se sentado, observando, tocando tudo o que podia, absorvendo tudo o que pensava entender. Olhava em todas as direções, com seus olhos úmidos, apreciava tudo que se movia, sentia todo o peso do silêncio, e às vezes ouvia a cidade. Mas nunca conseguiu decifrar o que ela dizia.

Ele acreditava que a cidade ainda o amava.

Thursday, April 07, 2005

...

adoro ver o mundo traduzido. depois da chuva sempre há uma sensação de estagnação, como se o mundo fosse abafado, comprimido. daí olho para as poças, e percebo tudo de um jeito muito diferente. o mundo ondulado. gosto muito de ficar assim, olhando para baixo, me escondendo de mim mesmo, do mundo real. é como se escapasse dos meus problemas, das minhas neuroses, e me encontrasse na minha terra do nunca.

Sunday, April 03, 2005

Fragmento I

Há pouco chegaram ao destino final, e a visão que tinham os impedia de falar. O vento era forte e o cheiro do mar parecia limpar não apenas as vias respiratórias, mas também as lembranças que traziam como a mais pesada bagagem. A montanha acabava em um declive acentuado, dando espaço apenas para umas poucas pinceladas de arbustos rasteiros, que contrastavam-se com a densa floresta que ficava para trás. E deixar a floresta para trás era um grande alívio para os dois. Ela olhava para frente, como se quisesse voar direto para o mar aberto, se esquecer de tudo. Ele olhava para baixo, examinando como iriam descer.
- É melhor que eu desça primeiro, disse ele, interrompendo o único momento de paz que tinham em muitos dias.
Ela piscou os olhos várias vezes antes de desviar o olhar para ele.
- Tudo bem.
Com um suspiro, ele apertou as amarras da mochila e experimentou os primeiros passos. O chão estava escorregadio por causa da lama formada com a chuva de horas atrás, e ela teria de ter muito cuidado. Depois de descer alguns metros, ele olhou para trás e estendeu sua mão direita, num sinal para ela começar a descer. Ele não podia deixar que ela se distanciasse dele por um momento sequer.